David Mourão-Ferreira

Teoria das marés
Calidamente nua,
sob o vestido leve,
tua carne flutua
no desejo que teve.
Timidamente nua,
revelas, num olhar,
em minhas mãos, a lua
que te fez oscilar.
Encontro
O teu mistério decifrei-o
numa pupila cega:
fechado e aberto como um seio
que pela noite se me entrega.
A luz, se vinha, não descia
do coração nem dos sentidos:
mas concentrava a extática alegria
de nos sentirmos confundidos.

Soneto do cativo
Se é sem dúvida Amor esta explosão
de tantas sensações contraditórias;
a sórdida mistura das memórias,
tão longe da verdade e da invenção;
o espelho deformante; a profusão
de frases insensatas, incensórias;
a cúmplice partilha nas histórias
do que os outros dirão ou não dirão;
se é sem dúvida Amor a cobardia
de buscar nos lençóis a mais sombria
razão de encantamento e de desprezo;
não há dúvida, Amor, que te não fujo
e que, por ti, tão cego, surdo e sujo,
tenho vivido eternamente preso.
Etiquetas: Universos literários
2 Comments:
As poesias são soberbas. Cada uma em seu estilo, seu encanto.
Neste caminho senti uma presença iluminada que refletiu em suas palavras.
Beijos estrelados.
Talvez por estarmos perto do Natal: que tal dar uma espreitadela aos poemas que Mourão-Ferreira fez sobre o tema? :-)
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